Parte II: Igreja e Estado, Gêmeos Idênticos

Podemos citar basicamente três textos sobre a relação entre a religião ocidental, "cristianismo" e uma análise materialista histórica, sendo essas:

O Socialismo e as Igrejas por Rosa Luxemburgo

Religião, Arte e Marxismo por Aleksandr Bogdanov

A Fundação do Cristianismo por Karl Kautsky

E o texto exatamente ao contrário desses:

Socialismo e Religião por Vladimir Lenin

Começaremos pelo livro da Luxemburgo.

O texto começa atraindo aquele pensamento comunista comum, mas não errado diferindo do contexto, possuímos uma marcação clara, o clero russo (Na época e NA RÚSSIA) tem posições extremamente anticomunistas, podemos fazer um paralelo mais tarde com alguns outros cleros de outros países e de épocas determinadas, e logo cita aquela frase de Jesus: "é mais fácil um camelo passar pelo furo de uma agulha que um rico entrar no Reino dos Céus" essa frase marca o pensamento relativamente positivo de Luxemburgo em relação ao cristianismo, e logo chega a uma forma de grande interesse para o comunista atual. O cristianismo como sendo um socialismo de consumo.

Deleuze em seu livro Nietzsche e a filosofia, tenta fazer um diálogo de três pessoas, o budismo oriental, o cristianismo ocidental e a crítica Nietzscheana as duas formas, chega a seguinte conclusão: "Cristo não foi um Judeu nem mesmo um cristão, mas um Budista; mais perto do Dalai Lama do que o Papa." e ainda completa com outra frase importantíssima "Budismo é a religião para o fim e a fadigação da civilização; Cristianismo nem mesmo encontra a civilização e existência - Ela a estabelece onde ela precisa existir".

Devemos entender o cristianismo como um processo totalmente histórico e dialético, mas um desenvolvimento dos mais importantes no seio da história e da humanidade, podemos entender o desenvolvimento desse objeto de várias maneiras, mas todas dentro do método marxista obviamente.

O estado pagão é representado pela figura central de um homem místico, esse homem místico possui valor infinito e de última personalidade de todo a sociedade, a política nasce diretamente do poder desse homem em relação aos outros homens, é uma reação a, principalmente o objeto de trabalho (aqui também é inserido objetos tais como o talento, educação e propriedades monetárias) ao qual define o homem em relação ao líder e as diversas entidades compondo a sociedade. O cristianismo traz uma crítica dura a centralidade de poder, o cristianismo é em última instância uma crítica a forma de organização social pagã, "Vimos que os proletários romanos não viviam do trabalho, mas das esmolas que o governo distribuía. Assim, a exigência, pelos cristãos, da coletivização da propriedade, não diz respeito aos meios de produção, mas aos bens de consumo" diz Luxemburgo, o cristianismo se transforma assim em um formato de "socialismo de consumo", a Igreja Católica traz a crítica à centralidade de poder e a desigualdade entre homens a vários locais pobres como a África ou a Ásia, descentralizando o poder e retornando o consumo geral a população. O Cristianismo é uma forma de organização social em relação a formação pagã, o cristianismo é muito mais perto do comunismo do que o paganismo ou até uma estrutura burguesa ateísta na maioria dos casos, o paganismo sê estrutura historicamente como uma sociedade de poder nobre muito centralizado e escravos, o Cristianismo é uma sociedade composta principalmente de pseudo-nobres e pseudo-escravos.

O Cristianismo, representa assim uma quebra social e material da estrutura pagã de objetivação universal a uma sociedade com a transformação e de particularização objetiva dos entes que compõem a sociedade.

O Cristianismo de Cristo, o budismo radicalizado ao formato de Deus julgador, passa para Paulo como uma radicalização no formato de Logos, a lógica em si, criando assim o espaço para filosofias violentas e brutais como Agostinho de Hipona, o niilismo se transformando em uma produção de relações sociais dentro de um plano já destruído, é a reformulação da sociedade em um mundo já destruído e acabado.

O cristianismo é formado assim, como uma ideologia estritamente política e auxiliada de formas metafísicas e jurídicas através de sua existência histórica, historicamente se aproximando muito de um socialismo primitivo como Luxemburgo demonstra. A obra pode ser resumida na frase do mesmo texto.

"Se Cristo aparecesse hoje na terra, atacaria com certeza os padres, os bispos e arcebispos que defendem os ricos e vivem explorando os desafortunados".

Você que está lendo, na sua banal capacidade mental, deve nem conhecer o célebre gênio de Bogdanov, claro, você vai ter a ilustre chance de conhecer esse personagem incrível do partido Bolchevique por minha parte.

Bogdanov foi um médico russo, um dos membros dos velhos bolcheviques, entrando em 1903 e sendo expulso em 1909 por ser esquerdista demais (ou seja, based demais), mantinha a posição de que o partido somente poderia operar de formas ilegais. Depois de 1911 se tornou crítico e analista de arte, filosofia e cultura. Depois da revolução entrou novamente no partido, sendo líder da Proletcult depois de 1921. Morreu em 1928 pela ciência, durante uma transfusão de sangue.

Segundo o texto de Bogdanov, o cristianismo tem a mesma estrutura do budismo, uma temática recorrente na esfera analítica do cristianismo por parte de marxistas e pós-modernos, tanto que a religião toma espaço aqui bem no formato de autoconsciência, como uma "misticalia" da transformação de um povo na sua história interna, o recontar da sua história por partes simbólicas e lógicas. "Então aconteceu que cristãos intelectuais, devotado ao estudo do Budismo, se transformaram em Budistas em si próprios".

A diferença dentre o budismo e o cristianismo é sobre a posição do homem em relação hierárquica com a verdade, para alguns budistas (Para esclarecer: eu não tenho autoridade ALGUMA para falar de budismo), o nada é a forma final do homem no seu sentido ontológico, sendo assim, é totalmente criticável e entendível que ele critique partes específicas de sua religião como meio de formação do ente, ao qual não acontece dentro do cristianismo, as estruturas não são dialéticas nem mesmo móveis, e sim partes estruturadas de dogmas já previstos, sendo os dogmas tanto uma formação real-logística como cartas do Vaticano, como culturais-sociais como o a falta de desenvolvimento cultural do proletariado em determinado período de tempo, ao qual não possui estrutura suficiente para a formação do cristianismo (Cristianismo como sendo uma religião do proletariado judeu no caso).

O ateu é, dessa forma, um homem ao qual se desenvolve logicamente acima do cristianismo, mas não conseguiu negar o próprio pensamento burguês, ele caracteriza a superstição como algo negativo, mas não nota a própria superstição ao qual envolve o seu culto ao progresso e ideais burgueses.

O homem, se transformado em um pensador livre, deixa de ser guiado por tais coisas como amor, superstição ou ciência no sentido mitológico, sua religião é um produto direto da história da sociedade e resultados materiais da superestrutura, aquele que está livre de todo pensamento religioso toma a religião como uma organização interna para ele e para os outros, o homem além das formas religiosas é assim, um "deísta" materialista disperso da mística e mitologia ao redor da religião, analisando-a como ela é.

O proletariado que nega a religião, está fadado dessa forma, a apoiar e recair em ideias burguesas e ser atacado pelos inimigos ao qual usam a religião como uma forma de oprimir o trabalhador, está nas mãos do trabalhador de recriar o mundo a sua imagem, interpretando deus como fato cultural na sua imagem também.

O processo de Marx foi a recriação e a crítica através principalmente da polêmica, a formação de um sistema de análise da economia contemporânea e a criação de um determinismo econômico através da soma do método hegeliano com a teoria econômica clássica, chegando em outro patamar da sociedade em questão. O papel do marxista é, além da superação do meio de produção e a análise da sociedade atual como o da passada, a formação de novas críticas às formas de cultura e organização, o marxismo ao analisar a religião, se torna vivo e móvel, se torna verdadeiramente "científico".

Para concluir, o objetivo do texto é a formação de um novo tipo de crítica a religião, não baseada no ateísmo mas sim na estruturação e análise da teologia e filosofia religiosa, se transformando no processo em um verdadeiro processo científico, a tomada da herança religiosa dentro do proletariado o transforma num sujeito deísta/agnóstico, ao qual o ambiente e a crítica sócio-religiosa é o que influenciam a sua análise do mundo espiritual e metafísico.

Partimos para o texto de Kautsky, que sê demonstra não tão radical quanto o God-Building de Bogdanov, mas uma metodologia realmente marxista sobre o desenvolvimento do cristianismo como um todo.

Kautsky é um sujeito muito complicado, seus trabalhos tardios demonstram um apoio a socialdemocracia e um revisionismo no processo, a primeira parte do livro é extremamente problemática aos olhos atuais, temos muitas provas históricas da existência de Jesus por entidades cristãs por parte da resposta cristã às críticas ao cristianismo feitas principalmente pelos jovens hegelianos (Que sem sombra de dúvidas influenciaram muito a obra em questão), por essas razões, pularemos logo para o livro quatro da obra, "O Início do Cristianismo".

O livro sofre bastante pela época que foi escrito, na época era recém começo da crítica alemã a historiografia de Jesus, muito influenciado por Ruge, ele critica duramente as fontes cristãs sobre Cristo, em favor de textos pagãos e judeus, a crítica a essa crítica só começa a se desenvolver a partir do séc. XX, pelas condições materiais atuais, a crítica de Kautsky parece incompleta, mas ela demonstra uma metodologia forte sobre como abraçar e entender um problema dentro do marxismo.

"Não tem uma religião sem contradição. Nenhuma delas nasce de uma mente única ou por um processo puramente lógico; cada é um produto de diversas influências sociais, normalmente indo de séculos atrás e refletindo várias situações históricas. Mas não tem dificilmente uma religião tão rica em contradições e absurdos como a religião Cristã, pois nenhuma outra religião nasceu de contradições tão duras: Cristianismo evoluiu do Judaísmo ao Romanismo, de proletarianismo a dominação mundial, de uma organização comunista para uma organização de exploração de todas as classes".

Esse parágrafo do texto revela bem a opinião de Kautsky em relação ao cristianismo, a visão sobre o cristianismo antigo é relativamente positiva, vendo o cristianismo como uma forma de comunismo de consumo, e principalmente sua teoria na qual o cristianismo é uma forma essencial de religião do proletariado judeu:

"Todo povo comum segue Jesus; apenas a aristocracia e a burguesia, o 'chefe dos padres e escrivães' são hostis a ele. Jesus age como um ditador. Ele é forte o suficiente para mandar os vendedores e cambistas do templo sem ter uma reunião com qualquer resistência. Na cidadela do Judaísmo ele é supremo" - Kautsky cita a passagem de II Kings 9, verse 13, Jesus é encarado essencialmente como um revolucionário, e sua forma de organização social é vista como um comunismo de consumo (ao contrário do comunismo de trabalho, ao qual o marxismo pertence) e como um movimento essencialmente urbano e comunista.

É bom ver isso em relação às outras formas de organização propagadas por Lenin, dentro de Kautsky, nós temos uma análise completa para os seu tempo, criando várias formas de entender o cristianismo, é críticas diretas às instituições criadas por Filon e Paulo, tentando universalizar tanto a experiência gnóstica como a experiência católica num todo. Lenin ignora toda essa análise das condições materiais e substitui pela proposta de banimento de todas as espécies de religião dentro do partido bolchevique em seu texto "Socialismo e Religião".

Mas Lênin estava certo, não na sua metodologia, e sim nos seus resultados, a religião ortodoxa é uma parte dos projetos de dominação global feitas depois do cristianismo comunista-budista verdadeiro das formas judaico-proletariadas por parte da aristocracia, o cristianismo é reduzido tanto pela burguesia e a aristocracia a uma recriação de uma sociedade, com os objetivos sociais e os objetivos reais do cristianismo entrando em conflito na maioria do tempo. É justo que a Rússia, no seu contexto antigo, busque a eliminação da religião como um todo, mas mesmo assim, a Rosa faz um trabalho de análise e formato religioso do que Lenin, melhor que a análise jurídica e legislativa anti marxista de Lenin. O livro é o maior apunhalado e a relação mais metodológica e completa atualmente sobre o cristianismo, ela coloca Jesus como realmente foi, um objeto completamente político, quebrando as comunidades políticas judaicas antigas em favor de uma nova forma de política, também quebra com o estado pagão, quando separa a particularidade de César com a religião como um si.

"Dá de César o que é de César".

Isso é uma destruição completa do estado pagão, e da estrutura judaica, é esquizofrenia e insanidade para que um messias seja crucificado, mas isso acontece dentro de Cristo, não somente isso, mas prevê a destruição do templo de Jerusalém, o maior símbolo do judaísmo como um todo, Cristo é um rebelde.

Concluindo a leitura dos três textos, tiramos o fato de que a Igreja na verdade é uma parente do estado, as duas andam junto, a Igreja como um todo nasce da crítica a particularidade de um indivíduo, nasce na formação de uma alternativa ao xamã como um todo, nessa formação ela tem um papel tal como o estado, só que as formas de combate a autoridade existem separadas uma da outra, uma pelo estado (política) e outra fora dele (religião), os textos desenvolvem essa teoria de uma em uma vez, todas sendo críticas ao cristianismo, mas não caindo em jargões leninistas como a censura total dela ou a exclusão do cristão da vida política